O “Efeito Golem” e suas implicações na sala de aula

“Quando alguém possui baixas expectativas a respeito de outrem, este último tende a apresentar realmente um baixo desempenho, justificando assim as reduzidas expectativas deste alguém. Trata-se de uma profecia auto realizável”.

O “Efeito Golem” consiste em um fenômeno de natureza psicológica através do qual quando um líder, chefe, supervisor, professor, orientador – ou seja, qualquer indivíduo que, sob determinadas circunstâncias, é tido como um superior a outrem, pressupõe (com ou sem motivos realistas) baixas expectativas em se tratando do desempenho de seus subordinados (funcionários, alunos, pessoas em posição de liderados, etc.), de algum modo é capaz de, efetivamente, piorar a atuação desta(s) pessoa(s).

Tal influência negativa pode acontecer de diferentes formas, mas o que importa no momento é que o fenômeno em pauta consiste em uma “profecia auto realizável”, onde aquilo que se imagina efetivamente vem a acontecer.

A denominação “Efeito Golem” foi adotada a partir das narrativas associadas ao “Golem”, uma criatura  artificialmente gerada a partir do barro, presente em vários pontos do folclore judaico. A mais famosa das lendas que falam a respeito desta criatura vem da Idade Média, tendo como personagem principal o Rabino Yehuda Loevy, na cidade de Praga em 1580. O “Golem de Praga”, como assim é conhecido, foi gerado a partir dos elementos fogo, terra, água e ar através do conhecimento cabalístico do “Maharal de Praga”, como o Rabino Loevy também era conhecido. Este obteve permissão Divina para recorrer a forças espirituais de modo a criar uma entidade como o “Golem”. Sua função era a de proteger os judeus que foram ameaçados de extermínio através da intriga de seus inimigos, tendo salvado muitas vidas (vide referência 1).

A associação do nome com o fenômeno que estamos analisando, no entanto, se deve a uma variante desta lenda, segundo a qual aos Sábados (o “Shabat” judaico), o “Golem” deveria ser “guardado” de modo a não se tornar violentamente destrutivo (como se acreditava). Porém, num destes dias, por algum motivo o “Golem” não foi desativado e agiu incontrolavelmente, atacando tudo o que encontrava, necessitando assim ser eliminado. Assim, havia a expectativa de destruição se o “Golem” fosse deixado livre no “Shabat” (o que, segundo a lenda, se realizou).

No âmbito educacional, o “Efeito Golem” representa a preocupação dos educadores com os efeitos negativos das profecias auto realizáveis (à semelhança dos cuidados em manter o “Golem” resguardado aos Sábados de modo a não se tornar descontroladamente violento).

Baixas expectativas implicam em desempenhos negativos. Quando um professor estabelece (por qualquer motivo, com ou sem fundamentos) uma reduzida esperança na evolução, no aprimoramento de alguns de seus alunos, fica implícito que os resultados por eles apresentados será significativamente inferior comparativamente àqueles obtidos pelos estudantes com os quais o mesmo professor demonstrou melhores expectativas. O “Efeito Golem” tem lugar: as baixas expectativas por parte da figura de autoridade (o professor) de algum modo comunica aos subordinados (os alunos) que pouco se espera deles. Isto pode ocorrer através de gestos inconscientes, de palavras, de tarefas indicadas a estes alunos com um nível de exigência inferior relativamente ao de outros colegas ou mesmo ao conceder menor atenção a estes indivíduos, dentre tantas outras formas de interação. O reduzido rendimento de tais alunos, por sua vez, reforça a impressão original do professor, estabelecendo-se um ciclo de degradação no processo de ensino e aprendizagem. Os alunos passam a esperar menos deles mesmos, desincentivando-se, desinteressando-se e desenvolvendo uma falta de motivação. Passam a diminuir seus esforços nos estudos e, consequentemente, registram baixo aproveitamento. A “constatação” de que o “professor tinha razão” em sua premissa destes indivíduos serem rotulados como “maus alunos” é “comprovada”… Daí manifesta-se e reforça-se o “Efeito Golem” – o ciclo negativista – tendendo a piorar a situação (profecia auto realizável).

Um outro aspecto interessante desta profecia auto realizável (sob o ponto de vista negativo) acontece quando tanto o professor como seus alunos “marcados” vinculam baixa expectativa e consideração à tendência de agir fora das regras da Escola, da Faculdade ou da Universidade, como por exemplo agindo desonestamente nas atribuições e avaliações – copiando tarefas e trabalhos de colegas, “colando” nas provas, etc..

Vamos tratar de um exemplo prático. Digamos que um professor deve aplicar uma avaliação a uma classe – uma prova. Naturalmente, sob o ponto de vista do professor, espera-se que alguns de seus estudantes se mostrem propensos a “colar”. Partindo do princípio de que o professor pressinta o fato mas não possa determinar quem de fato agirá de modo desonesto, a atitude será a de manter a vigilância sobre toda a classe, procurando inibir aqueles eventuais alunos que tendem a “colar” de  assim o fazer.

Sob o ponto de vista do alunado (ou pelo menos de boa parte dele) que está sentado, submetendo-se à prova, a sensação captada é a de que o professor não confia neles e que deles é pressuposto que venham a agir desonestamente na avaliação que está em curso. Mesmo dentre aqueles alunos que não tem a intenção de “colar”, esta percepção negativa é assimilada. E isto pode determinar o surgimento do “Efeito Golem” na classe – uma negatividade imposta, estabelecendo comportamentos também negativos – uma vez que os bons pagam pelos maus alunos. Tem-se aqui a sensação de injustiça frustrando o bom estudante.

Olhando agora sob o ponto de vista do professor, e como ele próprio pode ser vítima do “Efeito Golem”, analisemos a seguinte situação, ainda dentro do contexto da “cola” durante as provas. Alguns deles (uma minoria, diga-se de passagem), pela forma de atuar em classe, levam os alunos naturalmente a “colar”, nivelando-os por baixo – inclusive a eles mesmos enquanto docentes. Fazem de conta que ensinam e os alunos fingindo que aprendem. Outros, no entanto, esperam evitar que a “cola” aconteça, tentando agir preventivamente (elaborando diferentes tipos de provas ou efetuando a separação entre os alunos de maneira mais adequada, por exemplo). E há aqueles (a maioria), que assumem que a “cola” acontecerá de fato se os alunos não forem ostensivamente vigiados. Estabelece-se então o policiamento generalizado. É neste tipo de atitude que queremos nos focar. Será que, inadvertidamente, tais professores causem um “Efeito Golem” nas classes? Segundo Rowe & O’Brien, em “The Role of Golem, Pygmalion, and Galatea Effects on Opportunistic Behavior in the Classroom”, isto pode acontecer.  Existe a possibilidade que a expectativa e a insegurança por parte do professor de que alguns alunos venham a “colar” leve esta sensação para a classe, de modo generalizado, e afete negativamente a sua própria liderança com relação à turma.

Agora, sob o ponto de vista do aluno que, em princípio, não está disposto a “colar”, mas se sente policiado, este se mostra menos motivado a agir honestamente. Ele se decepciona consigo mesmo. Espera menos de si. Fica também na expectativa de que seus colegas venham a “colar” se não forem vigiados. Isto pode reduzir a confiança entre o grupo de estudantes na classe. Trata-se de outra faceta do “Efeito Golem”: alunos e alunas que normalmente não “colariam” nas provas, mas assim o fariam ao vivencia-lo. Estabelecem-se também, potencialmente, condições para que desenvolvam menos confiança a nível pessoal, no âmbito dos colegas, professores e, mais tarde, até mesmo na vida profissional.

Quanto mais você conhecer a respeito dos bastidores do ambiente escolar e acadêmico como fizemos neste artigo, mais preparado estará para contornar problemas que possam estar ocorrendo ou que venham a acontecer, seja no Ensino Médio ou no Superior. Continuaremos a tratar de temas semelhantes a este em nosso próximo texto, quando será apresentado o “Efeito Pigmalião”. Não perca!

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referência 1: https://pt.chabad.org/library/article_cdo/aid/1614702/jewish/Golem.htm

Imagens empregadas neste artigo:

figura 1: Representação do “Golem de Praga” – domínio público

figura 2: https://icon-library.net/icon/distress-icon-5.html;  Distress Icon #33477

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